(O) Ensaio sobre o entendimento humano, de Locke
O Ensaio sobre o
entendimento humano, de John Locke (1632-1704), foi muito bem sucedido no que se refere à atribuição de um
novo objeto a filosofia, embora não se trate propriamente da aceitação das
teses e da doutrina lockeana. Segundo o seu entendimento, a filosofia
resumir-se-ia a uma teoria do conhecimento.
Locke estabelece como premissa geral, no Livro I, a tese de que não há idéias
nem princípios inatos. A suposição de que o homem estaria de posse desse tipo
de conhecimento aparece ainda na Filosofia Antiga.Platão a denomina de anamnese
(reminiscência, recordação) e a define deste modo no diálogo Menon: “Como a
alma é imortal e nasceu muitas vezes e viu todas as coisas, tanto aqui como no
Hades, nada há que ela não tenha apreciado; de modo que não espanta o fato de
que possa recordar, seja em relação à virtude, seja em relação a outras coisas,
o que antes sabia”. Essa hipótese foi preservada pelo platonismo e reaparece no
Renascimento, sendo retomada por autores ingleses do século XVII, contra os
quais se volta Locke. Embora lhe dando
uma formulação nova, as idéias inatas são admitidas por Descartes e Leibniz. Para este são
inatas as verdades que se revelam imediatamente como tais à luz natural, sem
necessidade de recorrer-se a outra verificação.
O que Locke deseja estabelecer é que não seja reconhecida outra origem do
conhecimento além da experiência sensível. Essa questão está estudada no Livro
II.
Ao explicitar a sua tese, Locke introduz uma distinção nas qualidades que iria suscitar grandes
discussões entre os sensualistas. A distinção em apreço consiste em indicar que
algumas delas são exteriores e outras interiores. Assim, a dureza e a extensão
dos objetos, isto é, as qualidades que podemos perceber pelo tato ou pela
visão, são independentes de quem as perceba. No que se refere entretanto ao
olfato ou ao gosto, as qualidades dos objetos que lhes estão relacionadas
encontram-se na dependência de quem as perceba.
Às primeiras denominou de qualidades
primárias e as últimas de qualidades secundárias. Essa doutrina ensejou muita
discussão, aparecendo inclusive a tese de que todas as sensações seriam
subjetivas. Para evitar as dificuldades advindas dessa tese de Locke, Hume dirá que
todo o conhecimento vem de fato da experiência sensível mas o que esta fornece
é uma impressão primeira.
No Livro II, Locke estuda ainda algumas idéias que na tradição filosófica foram chamadas de
categorias, justamente porque não se acham vinculadas a seres individuais. São,
por exemplo, as idéias de relação e causa. Obviamente não podem originar-se
diretamente da experiência sensível. Mas Locke passa por cima dessa dificuldade.
No Livro III, estuda as palavras e
não acrescenta grande coisa à sua doutrina.
Finalmente, no Livro IV afronta a
delicada questão de Deus. Admite que dele possamos ter um conhecimento
demonstrativo, o que foi considerado como a grande incoerência de sua doutrina.
(Ver também LOCKE, John).
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